Um advogado diagnosticado apenas aos 59
anos com dislexia que fez questão de procurar o pai, na época com 90
anos, para dizer que era disléxico; e não “burro”. Quando recorda dos
atendimentos a adultos que fez nos 11 anos em que trabalha na triagem da
Associação Brasileira de Dislexia (ABD), com sede em São Paulo, este é
um dos casos mais marcantes que vem à memória da neuropsicóloga Maria
Inez Ocanã De Luca. Ela conta que, na maioria dos casos, os adultos
apenas começam a cogitar a possibilidade de ter essa dificuldade de aprendizagem
de origem neurológica quando procuram atendimento para uma criança ou
adolescente da família. No caso acima, o homem recebeu o alerta de um
sobrinho diagnosticado como disléxico. Como
a dislexia tem origem genética, é hereditária e não tem cura, um ponto
importante nos primeiros atendimentos de uma criança ou adolescente é
saber do histórico da família, como explica Maria Inez. "Quando fazemos a
primeira entrevista, pedimos que vão o pai e a mãe da criança,
para podermos observar o ponto de vista de cada um. Sempre perguntamos
para os pais se eles tiveram dificuldade de aprendizagem. Muitos deles
pedem para fazer a avaliação também", conta. A
dislexia prejudica o entendimento de textos ou de símbolos gráficos. É
comum que a pessoa precise reler várias vezes um texto para
compreendê-lo. Também afeta a escrita: em alguns casos, o disléxico
escreve a mesma palavra de formas diferentes em um mesmo texto sem
perceber. Também ocorre de a pessoa confundir palavras que têm
sonoridades parecidas ao ouvi-las.De
acordo com Maria Inez, a falta de diagnóstico e de acompanhamento
psicopedagógico, indicado nos casos de dislexia, não impede o portador
de concluir os estudos. Tudo vai depender, conforme ela, da força de
vontade da pessoa e do quanto serão bem sucedidas as estratégias que ela
adotar por conta própria para lidar com suas dificuldades. Desconhecer
o diagnóstico, porém, costuma causar diversos traumas, a maioria deles
associados à sensação de insegurança, já que é frequente aqueles que têm
dislexia terem a inteligência questionada. "É possível chegar até a um
pós-doutorado mesmo sem tratamento. Mas não será uma escolha tranquila,
porque a pessoa vai estar sempre questionando se tem capacidade mesmo
para aquilo a que está se dedicando", explica. Ainda que não esteja
associado apenas à aprendizagem, o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH), ou apenas TDA, quando não está associado à
hiperatividade, também impõe desafios aos portadores na hora de se
dedicar ao estudo. “Em uma pessoa com TDAH, a dificuldade não é
específica da aprendizagem: é global em todas as atividades que ela vai
fazer, pela dificuldade de se concentrar quando faz alguma atividade
mais monótona, como uma reunião”, explica o psiquiatra Mario Rodrigues
Louzã Neto, que coordena o Projeto Déficit de Atenção e Hiperatividade
no Adulto do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A impulsividade
também é uma característica frequente. Ele estima que 95% dos pacientes
atendidos pelo projeto receberam o diagnóstico apenas quando adultos.
Conforme
Louzã Neto, cerca de 50% das pessoas com TDAH chegam à idade adulta sem
sintomas do transtorno. Quem permanece com sintomas após os 18 ou 20
anos, segue portador de TDAH pela vida toda. A idade exata determinante
varia conforme a maturação cerebral de cada um. Nestes casos, o
tratamento com medicações, às vezes contínuas, costuma ser o mais usado.
De acordo com o psiquiatra, pesquisas feitas em diferentes países
indicam que cerca de 5% das crianças tenham TDAH, enquanto entre adultos
este índice vai de 2% a 2,5%. Os
reflexos negativos dos diagnósticos tardios, conforme a psicóloga e
psicanalista que preside a Associação Brasileira do Déficit de Atenção,
Iane Kestelman, costumam gerar uma série de transtornos posteriores.
Para ela, crianças que não recebem diagnóstico correto até 12 anos terão
consequências quando adultas. “Há pessoas que vêm nos procurar com a
vida devastada. Grande parte desenvolveu pouco o potencial que tinha. A
sensação é muito parecida com a de colocar uma criança míope em uma sala
de aula sem óculos. Ela vai ver alguma coisa, mas não o suficiente para
desenvolver todo o potencial que tem”, explica. A
produtora de eventos Patrícia Lima Rodopiano de Oliveira, 42 anos, só
foi diagnosticada com TDAH aos 35. Para ela, foi aí que diversas
questões passaram a se esclarecer. “Sempre achei que tinha algo de
errado comigo, mas não sabia exatamente o quê. Eu tinha muita
frustração, porque passei a vida toda começando coisas que eu não
conseguia concluir. Você vê o tempo passar e não se sente realizando
nada. Você sabe que poderia fazer melhor. Isso gera uma frustração que
me levou a uma depressão”, relembra.
Patrícia
calcula que já atuou em 17 funções ao longo da vida, muitas ligadas a
profissões bastante díspares. A lista inclui professora de natação,
locutora de rádio, gerente de uma rede de fast food e animadora de
festas infantis. Ao fim deste ano, ela concluirá o ensino médio, que
interrompeu aos 15. Já aprovada em psicologia no vestibular de uma
faculdade particular do Rio de Janeiro, aguarda pelo início das aulas,
no ano que vem. Há doze anos ela encontrou estabilidade como produtora
de eventos, e associa isso ao fato de ser esta uma carreira bastante
dinâmica, já que os eventos podem ter horários, lugares e assuntos
diferentes, fazendo com que haja contato com pessoas diversas também, o
que evita uma rotina. Atualmente ela atua também como voluntária da
Associação Brasileira do Déficit de Atenção. No
caso de um estudante de 26 anos do curso de Administração de Empresas
da Universidade de Brasília, que prefere não se identificar, o fato de
ter percebido já aos 19 que tinha dificuldades de se concentrar em aulas
e de se planejar para realizar todas as tarefas que tinha foi decisivo
para que ele concluísse as duas graduações que fazia simultaneamente:
Direito e Economia. Na época, ele
procurou um psiquiatra, começou a usar medicação e conseguiu concluir os
dois cursos. Em 2010, quando iniciou o curso de Administração de
Empresas, mesmo ainda usando medicamentos, voltou a ter muita
dificuldade de se concentrar nas aulas, bem como de permanecer nelas. No
ano seguinte, quando acumulava seis reprovações em sete das disciplinas
que cursava, buscou auxílio com o Programa de Pessoas com Necessidades
Especiais da UnB, pois corria o risco de jubilar, ou seja, ultrapassar o
período máximo para se formar no curso. O estudante de Brasília teve
que realizar novamente as disciplinas, mas desde então passou a ter a
opção de ter uma hora a mais para realizar as provas, de ter correção
diferenciada e de gravar as aulas, em vídeo ou apenas em áudio, para
poder resgatar o conteúdo posteriormente. “Com TDAH, por exemplo, você
escreve na sua folha de rascunho e só depois, quando vai olhar as
anotações, você vê que elas não são confiáveis. Além de estarem
bagunçadas, há informações incorretas que você anotou”, explica. O
coordenador do programa que atende alunos com perfis como este na UnB, o
assistente social José Vieira, explica que já quando se inscreve para o
vestibular o aluno pode informar se tem alguma dificuldade de
aprendizagem que mereça atenção especial. Se ele aceitar, desde então já
pode integrar o programa. Além de assistentes sociais, o serviço tem
pedagogos, psicopedagogos e psicólogos. “Muitos alunos entram no
programa pedindo que ninguém saiba, mas depois eles descobrem que isso é
uma bobagem. Trabalhamos em conjunto com o aluno e com o professor.
Cada estudante tem uma estratégia no processo educativo que tentamos
incorporar”, diz Vieira. Na
Unisinos, no Rio Grande do Sul, o Núcleo de Formação Docente orienta os
professores a lidarem com as necessidades dos estudantes. A coordenadora
do núcleo, Mirian Dolores Baldo Dazzi, diz que os professores são
informados dos alunos que se declaram com algum distúrbio de
aprendizagem já antes de começarem a lecionar disciplinas a eles. A
dislexia e o TDAH estão entre os mais frequentes. Para ela, um ensino
atento às especificidades de cada um é uma forma de contribuir na
evolução profissional. “Antes, estes sujeitos ficavam fora de contexto.
Normalmente nem concluíam o ensino médio. Conforme fomos evoluindo, se
percebe que eles têm inteligência e podem ser profissionais muito bem
sucedidos. “Se começamos a acompanhar estes alunos e se temos um serviço
que apoia o professor, este sujeito consegue se envolver e ter sucesso.
Antes, eles estavam à margem”, analisa. Tanto
o diagnóstico de TDA e de TDAH quanto o de dislexia podem ser feitos
por psiquiatras e neurologistas, conforme o Conselho Federal de
Medicina. No caso da dislexia, o tratamento costuma ser conduzido por
uma equipe multidisciplinar. Na Associação Brasileira de Dislexia, por
exemplo, a equipe que acompanha os pacientes é composta de
neuropsicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos. Em muitos casos são
necessárias terapias, como as cognitivas comportamentais, para auxiliar
no entendimento e superação das dificuldades. (Carlota)
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