O dono da Fazenda Guarani, no município de São Desidério, no oeste baiano, Belmiro Catelan (no centro da foto abaixo), e seu funcionário administrador do local, Jair Donadel, foram condenados pela Justiça Federal de Barreiras por 70 crimes de trabalho escravo. De acordo com a denúncia feita pelo Ministério Público Federal, no período compreendido entre março de 2005 e março de 2010, os dois réus, ao lado de Odilon Alves da Cruz e Fidelíssimo Alves da Paz, intermediadores de mão de obra, aliciaram de um local para outro do território nacional e reduziram trabalhadores a condições análogas às de escravos submetendo-os a condições degradantes, a jornadas exaustivas e à servidão por dívida. Belmiro Catelan é um fazendeiro conhecido no meio agropecuário atua na região há mais de 20 anos com plantação de milho, soja e algodão. Na decisão expedida no último dia 31 e publicada no Diário Oficial da Justiça Federal nesta terça (4), a juíza Gabriela Macedo Ferreira, titular da Subseção Judiciária de Barreiras, absolveu os intermediadores do serviço e condenou o fazendeiro Belmiro Catelan e o administrador da Fazenda Guarani, Jair Donadel, a três anos e oito meses de prisão, penalidade que foi convertida em restrição de direito, ou seja, ambos vão cumprir penas alternativas em liberdade.
"Os sentenciados poderão recorrer em liberdade, por serem tecnicamente primários e de bons antecedentes, não estando presentes os requisitos ensejadores dos decretos de prisões preventivas, tendo, inclusive permanecidos soltos durante a ação penal", observou a juíza em sua sentença. A magistrada apontou em sua decisão que os dois submeteram 70 trabalhadores "a circunstâncias indignas de trabalho na Fazenda Guarani", praticando os réus Belmiro Catelan e Jair Donadel, mediante uma só ação, mais de 70 crimes. Na primeira fiscalização feita na fazenda em 2008, foram resgatados 27 trabalhadores. Na segunda fiscalização, realizada em 2010, foram resgatados mais 47 funcionários. Belmiro Catelan e Jair Donadel foram condenados também a pagar, a título de indenização por danos morais individuais, a quantia mínima de mil reais para cada trabalhador. A Justiça Federal ainda imputou a multa aos dois condenados no total de R$43,3 mil e uma das penas restritivas de direitos aplicadas aos réus foi a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, conforme suas aptidões, sete horas por semana, pelo tempo que durar a condenação. A segunda punição aplicada ao fazendeiro foi a destinação de multa em favor da Associação de Amparo ao Menor Carente (Amec) em Barreiras, entidade privada com destinação social e de reconhecida atuação filantrópica na cidade. O proprietário deverá pagar à entidade o montante de R$ 168,6 mil. No caso do subordinado de Belmiro, Jair Donadel, deverá desembolsar R$ 140,5 mil em favor do Lar de Emanuel (Fundação Carita de Assistência à Pessoa Carente) em Barreiras. De acordo com a juíza do caso, os réus exerceram seu direito ao silêncio quando foram procurados para apresentar suas defesas.
O recrutamento - De acordo com os autos do processo, os trabalhadores eram recrutados pelos intermediadores de mão de obra, conhecidos popularmente como "gatos", para o trabalho de capina do algodão na Fazenda Guarani. Entre março de 2005 e março de 2008, após fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ficou constatado que Belmiro Catelan, por meio dos seus comandados Jair Donadel, Odilon Alves da Cruz e Fidelíssimo Alves da Paz, teriam aliciado cerca de 20 trabalhadores dos municípios de Santa Rita de Cássia, Jaguari, Barreiras, Senhor do Bonfim, Irecê, Bonito, Xique-Xique, Itaitê, Salvador, Mundo Novo e Tucano, todos na Bahia, e de Arapiraca, no estado de Alagoas. Em outra batida da equipe de fiscalizadores no ano de 2010, foi verificado que os réus teriam aliciado mais 40 trabalhadores dos municípios de Santa Rita de Cássia, Ibipeba, Barreiras, Quinjigê, Formosa do Rio Preto, Campos Belos, Bom Jesus da Lapa, Guanambi, Salvador, Luís Eduardo Magalhães e Tucano, todos na Bahia; Santo Ângelo e Guarani das Missões, no Rio Grande do Sul; Teresina, no Piauí; e Maceió, em Alagoas.
As irregularidades - De acordo com a ação penal apresentada pelo MPF à Justiça Federal, a fiscalização encontrou na Fazenda Guarani estrutura precária do local destinado ao alojamento dos trabalhadores, com muitos trabalhadores desprovidos de colchões e em alguns casos dormindo diretamente no chão sobre sacos plásticos. "O empregador não disponibilizava armários, sendo que os trabalhadores utilizavam baldes de agrotóxicos como armazenadores de suas coisas, agravando o risco de contaminação", diz a procuradoria da República de Barreiras na denúncia. O local também apresentava área de vivência em condições inadequadas e ausência de recinto adequado para o preparo de alimentos e o armazenamento dos mesmos. No alojamento também não havia estrutura para os trabalhadores fazerem suas refeições, "não existindo mesas, cadeiras e assentos para as refeições". "Muitos se alimentavam de cócoras ou sentados no chão, expostos ao sol e ao calor excessivo, ou mesmo, à chuva, e, se no alojamento, em qualquer lugar". O relatório também indica que não havia fornecimento de água potável em condições higiênicas. "Os trabalhadores consumiam a água provinda diretamente de uma torneira, instalada numa calha de cimento, na área externa do alojamento. Como não houve o fornecimento de copos, os obreiros bebem água diretamente da torneira ou mesmo com as mãos", aponta o documento. Em laudo elaborado pela Polícia Federal, ficou constatado que embalagens de agrotóxicos eram reutilizadas no acondicionamento de água para consumo humano.
"As instalações sanitárias do alojamento eram desprovidas das regras de higiene. Além de sujas e encardidas, quando das ações fiscalizatórias, faltavam lavatórios e papel higiénico, muitas portas não fechavam. Além do mais, o esgoto corria a céu aberto nos arredores do alojamento, somado ao lixo que era acondicionado em tambores abertos. [...] Nas frentes de trabalho não eram disponibilizadas instalações sanitárias, sendo que os trabalhadores tinham que fazer suas necessidades no mato, sujeitos às intempéries e à ação de insetos", destaca o MPF ao citar o relatório dos órgãos fiscalizadores. Além das irregularidades identificadas no alojamento, no campo de trabalho também não havia preocupação dos empregadores no que tange à segurança dos funcionários. "Não houve o fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual", frisa a procuradoria. "O alojamento tinha vários pontos com risco de provocar choques elétricos, com vários terminais com fiação exposta, emendas de fios, fiação solta e quadro elétrico de distribuição sem fechamento", ressalta o relatório. Dívidas dos empregados - A fiscalização realizada pelo MTE, PF e Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou cadernos dos subordinados ao dono da fazenda, onde constavam dívidas dos trabalhadores junto ao patronato. As anotações mostravam que qualquer necessidade do trabalhador era atendida pelo fazendeiro, mas tudo era debitado no pagamento final do funcionário.
Dentre as despesas descontadas na ínfima remuneração estavam itens como cachaça, fumo, alimentos, produtos de higiene pessoal, entre outros, que apresentavam muitas vezes preços elevados em relação ao mercado comum. A procuradoria aponta que todo esse esquema tinha como finalidade formar um ciclo de endividamento dos trabalhadores, restringindo, assim, pela via indireta, o direito de locomoção dos mesmos. Por exemplo, se os trabalhadores quisessem dormir mais confortavelmente e decidissem comprar um colção, eles teriam que comprar o item com o administrador da fazenda. O valor seria descontado da sua futura remuneração. O transporte para cidades próximas por interesse da própria fazenda também era pago pelo empregado, conforme demonstrou uma vítima em depoimento aos fiscais.
A denúncia - Os autos do processo mostram que a fiscalização só chegou à Fazenda Guarani depois que três trabalhadores procuraram a Secretaria de Inspeção do Trabalho e relataram as condições de trabalho do local.(Bocão News)
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